A propósito de uma
aranha
Fiquei observando a aranha que construía sua teia, com os fios que saem
dela como um fruto que brota e se alonga de sua casca. A aranha quer viver, e
trabalha nessa armadilha caprichosa e artística que surpreenderá os insetos e
os enredará para morrer. Tua morte, minha
vida – diz uma frase antiga, resumindo a lei primeira da natureza. A frase
pode soar amarga em nossos ouvidos delicados, enquanto comemos nosso
franguinho. Sua morte, vida nossa.
Os vegetarianos não fiquem
aliviados, achando que, além de terem hábitos mais saudáveis, não dependem da
morte alheia para viver. É verdade que a alface, a cenoura, a batata, o arroz,
o espinafre, a banana, a laranja não
costumam gritar quando arrancados da terra, decepados do caule, cortados e
processados na cozinha. Mas por que não imaginar que estavam muito bem em suas
raízes, e se deleitavam com o calor do sol, com a água refrescante da chuva,
com os sopros do vento? Sua morte, vida nossa.
Mas voltemos à aranha. Ela não
aprendeu arquitetura ou geometria, nada sabe sobre paralelas e losangos; vive
da ciência aplicada e laboriosa dos fios quase invisíveis que não perdoam o
incauto. Uma vez preso na teia, o inseto que há pouco voava debate-se
inutilmente, enquanto a aranha caminha com leveza em sua direção, percorrendo
resoluta o labirinto de malhas familiares. Se alguém salvar esse inseto, num
gesto de misericórdia, e se dispuser a salvar todos os outros que caírem na
armadilha, a aranha morrerá de fome. Em outras palavras: a boa alma tomará
partido entre duas mortes.
A cada pequena cena, a natureza
nos fala de sua primeira lei: a lei da necessidade. O engenho da aranha, a
eficácia da teia, o voo do inseto desprevenido compõem uma trama de vida e
morte, da qual igualmente participamos todos nós, os bichos pensantes. Que
necessidade tem alguém de ser cronista? – podem vocês me perguntar. O que leva
alguém a escrever sobre teias e aranhas? Minha resposta é crua como a natureza:
os cronistas também comem. E como não sabem fazer teias, tecem palavras, e
acabam atendendo a necessidade de quem gosta de ler. A pequena aranha, com sua
pequena teia, leva a gente a pensar na vida, no trabalho, na morte. A natureza
está a todo momento explicando suas verdades para nós. Se eu soubesse a origem
e o fim dessas verdades todas, acredite, leitor, esta crônica teria um melhor
arremate.
(Virgílio Covarim)
Nenhum comentário:
Postar um comentário